Conhece-te a ti próprio
SÓCRATES
SÓCRATES
天安门广场 (Tiananmem), 5 de Junho de 1989
Fotografia de Jeff Widener
O Ser Humano ainda tem pendente a sua verdadeira revolução. Estas imagens de há exactamente 18 anos na Praça de Tiananmem mostram um homem valente e humilde, consciente das suas próprias limitações, desafiando a cobardia e a violência que se apodera dos seus irmãos, que vêem nele alguém a quem derrotar, vencer, dominar. Adopta o homem anónimo uma acção de defesa da vida a custa da sua própria vida física, compreendendo no próprio acto da defesa da vida que ela é bem mais importante do que o seu corpo físico, compreendendo que a vida é o nosso verdadeiro corpo e algo para além das nuvens, para além das estrelas, para além da luz: a liberdade, aquilo que temos verdadeiramente em cada instante das nossas vidas, mesmo que nos neguemos a aceitar como nossa, mesmo que nos neguemos a desfrutar dessa liberdade. Perante tais actos de simplicidade como os do homem anónimo das imagens que precedem estas palavras, um comove-se e reflecte a respeito da verdadeira revolução que o Ser Humano tem ainda pendente: a revolução da própria Identidade. Para mim é algo claro e evidente que a Identidade última e primeira do Ser Humano é feita em essência de três intensidades, de três pólos de luz que se complementam e precisam e que é necessário observarmos se nos quisermos conhecer a nós mesmos, a nós mesmas. Em primeiro lugar, o primeiro foco da nossa Identidade é a Consciência, a consciência da verdade, consciência da realidade, das nossas limitações, de tudo o mau que fomos recolhendo, consciência de que eu somos, de que as/os outras/os são uma ampliação do que costumamos chamar eu, e que esse eu é uma ampliação das/os outra/os. A consciência é um campo que se amplia e para essa ampliação, para esse des-cobrimento é necessário uma intensa valentia e um profundo silêncio que faça calar tudo dentro de nós e assim poder aceitarmos completamente, isto é, vermos aquilo que, fazendo de facto parte do nosso hoje e do nosso aqui, é apenas uma cristalização do que não somos em essência-potência. Essa cristalização que cremos ser costuma converter-se numa lousa que tapa a Identidade e que faz com que nos identifiquemos com uns modos de ser e não com o que somos mesmo. Em segundo lugar, o segundo foco de luz da nossa Identidade como seres humanos é a Vontade, a força que desenvolvemos para agirmos em nós e na Vida, para sermos donas e donos de nós mesmas, de nós mesmos, para dominarmos as nossas vidas e sermos livres, tal e como o homem de Tiananmen é desenvolvendo activamente a consciência, a sua consciência de infinitude num corpo finito, e a liberdade que a acção oferece. E, em último lugar, mas sem o deixar para o último por menos importante do que os outros dous focos identitários, mas talvez por causa de querer mesmo sublinhar a sua importância, o terceiro foco de luz da nossa Identidade e o mais luminoso mesmo é o amor, esse intenso infinito. Será que é possível poder descrevê-lo? Seremos capazes como Seres Humanos de fazer com que o descobrimento da nossa Identidade traga a alegria e a paz necessárias à Vida sobre a Terra, a nós mesmas/os? Aceitaremos cada um, cada uma de nós a parte que temos de responsabilidade no nosso dia-a-dia por um mundo melhor? Eis o repto que o Presente nos oferece.
Caro Xavier:
ResponEliminaEfectivamente, como já assinalava a grande poeta (e política) Natália Correia, a revolução interior do ser humano é a chave para abrirmos as portas da casa à luz alta que atesouramos. Acho mesmo que é um acto absolutamente necessário e, como mínimo, paralelo às também necessárias transformações das relações na sociedade e com a Natureza: foi precisamente esse preterir a actuação da mudança interior (ou mesmo desdenhá-la directamente) a causa mais certa do abalar dos grandes discursos aos que estamos acostumados (nomeadamente o do mercado como regulador principal da actividade humana que hoje semelha para muita gente como o único discurso válido), por serem sempre insatisfactórios para nos dar uma resposta que sempre esteve aí, ou melhor, aqui, em cada um de nós, aguardando por ser desenvolta.
E aí o Amor aparece como uma grande metáfora (e realidade) mui útil para abrir os olhos, e começar a andar.
Como crianças que somos (ou nos fazem(os) ser) ainda hoje, talvez sem a valentia de seguir o caminho à nossa frente.
Eis sempre essa resposta aberta que nos restitui o sorriso roubado, os dedos mutilados, contra o mandato do medo que inutilmente obriga a emudecer. Como fugir sem fugir, como falar sem palavras, sem idioma ou sem a alegria que caracteriza o fluir do presente? A resposta está aqui, onde a vida nos recolhe do chão porque alguém desfez o rumo e os dias se sujaram do veneno das aparências e dos enganos, porque as palavras morreram numa hipótese da verdade que talvez nunca foi.
ResponEliminaPor isso, mais do que nunca, vale a pena viver. Por isso, há um imenso infinito.
Abraços desde a não-violência, Ramiro.
Ambos o comentámos já de viva voz, e hoje acho nas tuas palavras escritas a capacidade de atingir novos regimes explicativos, novas expressons que, sem esquecer a lírica, tornam mais sérias. Revestem-se da seriedade que impom a gravidade do real. Parabéns. É bem certo que, contodo, ainda vale a pena viver, explorar o infinito à frente.
ResponEliminaInfinito à frente e dentro. Há muito ouro em cada quem, e permanece à espera de quem o saiba despertar e dar-lhe a presença necessária na vida.
ResponEliminaAntes a vida.
ResponEliminaOLGA NOVO
Por acaso, caro Ramiro, encontrei-me esta tarde, após umas horas depois de teres deixado o teu anterior comentário, com a mulher que amas. Marca esse encontro emotivo de algum modo o fim da derradeira das cinco estações. Tens uma mulher linda como tu próprio a falares comigo numa conversa luminosa numa noite de Fevereiro. A vossa beleza comum radica na sinceridade, e espalha-se sobre mim como uma onda de mar acarinhando as areias da praia. Lembrei em ocasiões aquela conversa de madrugada no teu carro com imensas saudades. Usei a memória das tuas palavras e das minhas a dançarem abraçadas como um pano para limpar e limpar os meus olhos da dor provocada pola morte da mulher amada. Aquela conversa ficou colada aos meus dedos e ao meu coração. Por vezes há instantes que são infinitos. Aquela foi uma conversa onde as palavras foram música de vida, explicação do silêncio e da dor, compreensão da loucura e do medo, desde a calma necessária dos dias que marcam.
Para chegar a estas palavras desde a estação zero, para conseguir erguer o voo após a mentira e o engano multiplicados, foram necessárias várias estações de profunda nudez sobre a vida, de horizontalidade e de abismal observação sobre as rochas do porvir. Foi preciso conhecer e reconhecer as amigas e os amigos, compreender o nascimento e a pomba, praticar o silêncio até à extenuação, para logo sorrir. Há passos e movimentos elaborados desde a mudez que foram tomando a sua forma. Existiram intensíssimas músicas que ajudaram a construir uma casa, a vestir as crianças abandonadas. Chegaram homens e mulheres de longe para observarem em calma a assassina a fugir após o mandato do medo, e atrás deles as crianças abandonadas começaram a brincar num jardim que ia crescendo nos dias da Primavera. Foi preciso esse intenso silêncio, esse intensíssimo amor. Obrigado por estares, por estardes aí, sempre. A vida tem presentes inimagináveis.
Um abraço intenso extenso infinito
Caro Xavier:
ResponEliminaO prazer é nosso, e a nossa casa uma praia onde qualquer amig@ será bem-vindo, pois sem vós teria sido um lugar bem mais pequeno.
Obrigado pelas tuas palavras, também presente luminoso para a Alva que começou o seu andar desde o nosso Amor.
Vemo-nos a qualquer hora e lugar.