dissabte, 14 de juliol del 2007

Vida

TrackBack






"Romance"
Autor: Gerald Finzi. Intérprete: Ara Malikian (violino)


Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem.
MATEUS 7:6

Se alguém não vos receber nem ouvir as vossas palavras, ao sairdes daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés.
MATEUS 10:14

Sabemos que o homem branco não compreende a nossa maneira de pensar. Para ele uma parte da Terra é igual à outra, porque ele é um estranho que chega de noite e apodera-se na Terra do que precisa. A Terra não é a sua irmã, mas a sua inimiga, e quando já a conquistou, cavalga de novo.
GRANDE CHEFE SEATTLE,
Mensagem para o Presidente dos EUA no ano 1855

Ninguém pode ser escravo da sua "identidade"; quando surge uma possibilidade de mudança é preciso mudar.
ELLIOT GOULD

Não há progresso sem mudança. E, quem não consegue mudar a si mesmo, acaba não mudando cousa alguma.
GEORGES BERNARD SHAW

A ave sai do ovo; o ovo é o mundo; quem quiser nascer precisa de destruir o mundo.
HERMAN HESSE

A falta de amor é um grau de imbecilidade, porque o amor é a perfeição da consciência.
R. TAGORE

no amor não procurei a felicidade mas o amor
ANDRÉ BRETON


Para as amigas e amigos que reconstruíram as mais formosas pontes, as que me unem à Vida,
à Alegria e ao conforto da Verdade. Obrigado pola Amizade sem limites.

Também para Gerald Finzi. Sirva este tributo a ele como uma homenagem à Poesia e à Música,
que me abraçaram em todo o momento no percurso das cinco estações.


Eu amava polo seu ser uma mulher morena. Havia esse rumor. Chegara a ela de olhos azuis, de mãos voadoras. Eu escrevera em mim o destino dos seus lábios, o murmúrio dos cavalos selvagens numa planície lilás. Era Outubro. Mas Outubro, como Março, era apenas um mês, uma escusa, o vento. Março. 14 e 14 dias, e, depois, o vazio. Havia uma dor intensa dentro de mim, no interior desta voz. Esperei em vão pola forma da luz. Mas alguém do fundo do medo ordenara o mandato da morte. Foi-me imposta a condenação da liberdade por dizer o que sinto, por não mentir, por ser como sou. Mas não deixei de amar nem um só instante. Não deixei. Porque amar é por vezes carregar a maior das dores por amor ao que amamos, e não fugir não mentir sempre observar o medo. Por isso, pouco a pouco foi-se fazendo real a doença na minha voz. Abriu-se em mim uma eterna ferida. E assim Março e cento cinquenta mentiras prévias que eu suportei por baixo das unhas dos meus dedos tristes, fizeram com que crescesse em mim aquela mudez extrema que me impunha um desterro para chegar a mim.

Para chegar a mim tive de rejeitar o costume exacto da censura que repovoava a cidade sem luz. Para chegar a mim tive de atravessar países que eu esquecera, pontes destruídas que as amigas e os amigos reconstruíram para mim. Para chegar a mim rechacei a companhia das assassinas e das mentiras que lhes davam a própria morte. Para chegar a mim tive de atravessar a vida de lado a lado e ver com olhos novos e completamente húmidos cada palavra pronunciada, cada sentimento, cada porção de amor e de silêncio que eu oferecera. Para chegar a este instante e compreender o que eu sou, o que nós somos, o que é a Vida, e o Amor, e a Verdade que sempre é nova, tive de abrir um sorriso intenso extenso infinito no interior da minha voz.

Eu detesto as imposições, detesto a mentira, detesto o engano, detesto a violência, eu detesto a falsidade, eu detesto a aparência que se torna em identidade e rejeita o fluir da vida: a sua alegria imanente, o coração de uma criança. Por isso adorei tanto a conversa com o Ramiro no seu carro naquela noite de Fevereiro, a amplitude que iam adquirindo as nossas palavras naquele carro, lembras, Ramiro?, ou as palavras curativas da pequena Alba de mãos dadas dos meus olhos de criança, ou o sorriso maternal da preciosa Isabel, eu sempre lembrarei como conseguiste acariciar aquele coração meu da primeira estação com a força simples das tuas palavras. Por isso adorei também a radical e carinhosa defesa da verdade e da amizade do Óscar e da Alba, que souberam ser sempre idênticos à verdade do seu ser, que tiveram mais amor do que eu nunca imaginaria, que permaneceram livres sinceros pacientes formosos alegres, sempre amigos. Por isso adorei também sentir-me acompanhado por ti, Ánchel, naqueles dias de Fevereiro, passeando polas ruas de Barcelona e saindo do metro da mão do teu olhar e abraçado a ti durante toda a noite enquanto ambos sentíamos a dor de cada um. E adorei mil e mil milhões de cousas, de instantes, tantos e tantos seres que aqui não digo, e adorei o meu irmão a explicar-me a forma em como resolveu tudo em menos de uma semana, e é que as cousas quando se querem de verdade fazem-se, dizias tu, meu irmão, que desde antes, desde muito antes, já tinhas visto tudo, tal e como eu vira também esperando outra cousa.

Mas foi preciso sofrer trinta séculos e caminhar descalço numa noite impossível para aceitar a dureza da verdade e compreender a doença alheia e o que a doença significava, foi preciso perder a própria voz perder os próprios dedos recuperar os próprios olhos para compreender a morte da amada. Eu e os meus olhos enormes perdidos na contemplação daquele vazio que ocupava o seu corpo. Eu e a ternura dos meus lábios. Eu e o meu corpo triste abraçados à minha alegria perene, imortal. Por isso, decidi caminhar sobre o rio das águas escuras, atravessar a planície tocando os ocos do ar, comprovando que estava vivo, que nunca morrera, e que amava, que sempre estivera amando. Logo, decidi fechar os olhos, para ver. Decidi viver com a maior humildade possível cada uma das cinco estações que iriam sarar o meu ser, decidi abrir-me a cada instante com toda a sinceridade possível para aprender a ver-me mais e mais adentro. Havia tempo que tinha os olhos cansados e foi estranho voltar a abri-los tal e como eles são. Decidi caminhar em silêncio e escutei o silêncio no interior do ruído. Havia tantas vozes, tantos gritos,... Mas eu sabia que a minha identidade era para além das palavras, por isso procurei outro idioma, um idioma quase esquecido que foi meu segundo idioma, e escrevi algum poema e decidi explicar aquilo com as palavras da língua francesa. Mas precisei de escutar o silêncio para ouvir a mensagem da vida, aquele idioma familiar que sempre estivera aí. E reaprendi a contornar o infinito, a sorrir, a desenhar rosas no fundo do mar, a tocar o meu rosto para nunca deixar de amar, para não aprender o ódio o medo o fascismo. E chorei. Mas eu continuei amando e vivendo e observando para chegar ao idioma que sempre me fala. Para não ser nada, nada. Para simplesmente ser.

XAVIER VÁSQUEZ FREIRE
Galiza, 14 de Julho de 2007

TrackBack

GERALD FINZI
(Londres, 14 de Julho de 1901 — Oxford, 27 de Setembro de 1956)

2 comentaris:

  1. Há imagens que emocionam. Há imagens que têm a força dos tornados que iriam tirar de nós tanta mesquindade, tanta desídia, tanto medo. O medo do que falas, irmão. Há imagens que valem, efectivamente, mais do que mil palavras. Há poucas, mas existem. E eis a imagem de um homem dando as graças, sentindo-se obrigado com o mundo no discurso mais sincero, no discurso que mais logo vai traduzindo-se ao idioma da vida, praticando-se no caminho dos dias e das noites, alimentando as impressões do silêncio que nos impele a descubrir-nos. O homem branco do que fala o chefe Seattle é o predador dos nossos dias. Talvez as noites silenciosas, essas que tão esperançadamente procuramos, sejam os lugares onde a nossa exploração curiosa revele a identidade do que somos, mais alá do sermos indivíduos, mais alá do sermos animais a se expressar torpemente. É depois disso que vem a amiçade real. A vida.

    ResponElimina
  2. Obrigado por todo, caro Xavier, especialmente por esse trabalho interior de depuração que só tu pudeste e podes fazer. Afinal, confiar na verdade que tens e sentes é a melhor maneira de reconhecer e aproveitar o sol central que está aqui, em ti, como o está em cada um(a).

    A amizade, como bem disse o Óscar, é o rio que dá frescura e luz ao nosso caminhar, for no abismo ou na certeza.

    ResponElimina

Real Time Web Analytics